segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

INCÊNDIO DO CIRCO: 53 ANOS!. TEXTO I

A REAL HISTÓRIA DA MAIOR TRAGÉDIA CIRCENSE DO MUNDO

O INCÊNDIO DO GRAND CIRCUS NORTE-AMERICANO

EU ESTAVA LÁ!. EU VI TUDO!.

NUNCA MAIS ESQUECI, E, NEM ESQUECEREI...


A trapezista Nena se prepara para a apresentação do salto triplo - a maior atração, mas a mais perigosa -.Alguém gritou: "o circo está pegando fogo". Estabeleceu-se o pânico. Era o início da tragédia.
O dia 17 de dezembro de 1961 era um dia muito quente. A temperatura rondava os 40 graus. Eu, curtia o domingo assistindo uma partida de futebol no campo do Fonseca Atlético Clube, quando fui alertado por uma emissora de rádio, que o Grand Circus Norte Americano instalado na Praça do Expedicionário, em Niterói - Rua Desidério de Oliveira - onde hoje funciona o Centro de Clínicas do Exército - estava pegando fogo. Ele, que havia sido inaugurado dois dias antes (15/12/1961).
O incêndio começou no momento em que os trapezistas iriam iniciar o perigoso salto triplo. Ao grito de "incêndio", todos começaram a correr em diversas direções. Ainda cheguei a tempo de ver as labaredas, a fumaça, a correria e o desespero das pessoas, a maior parte com queimaduras, que saiam aos gritos, por um buraco aberto por um elefante, que salvou muita gente, mas que também matou, pisoteando-as. Também vi corpos e mais corpos estendidos no interior do circo e, até mesmo sentados nas cadeiras, envoltos no plástico da tenda. Todos que haviam ido se divertir com os palhaços, os trapezistas e os animais, na base da pipoca e do sorvete.
Foi iniciado o rescaldo pelo Corpo de Bombeiros, e o atendimento aos sobreviventes que eram conduzidos aos Hospitais Antônio Pedro, Santa Cruz, Azevedo Lima, Maritimos, Luiz Palmier, Hospital Infantil Getúlio Vargas, e para a Santa Casa de Misericórdia, enquanto os corpos dos que morreram eram levados em caminhões para o Ginásio Caio Martins e para o IML a fim de serem reconhecidos e depois sepultados. Muitos foram colocados nos frigoríficos da Indústria Maveroy (que produzia a geladeira Kelvinator), para serem conservados até o sepultamento.
Ás lágrimas escorriam por todos os rostos. Os cirurgiões plásticos Ivo Pitangui e Carlos Caldas (que havia se formado naquela semana), diversos médicos, enfermeiros e voluntários desdobravam-se nos atendimentos. Fui voluntário durante 15 dias no Azevedo Lima, cujo diretor era o saudoso médico Carlos Guida Risso.
A solidariedade do nosso povo foi enorme. A todo instante chegavam medicamentos,ataduras, alimentos, água. As pessoas corriam de um lado para o outro tentando ajudar de alguma forma.
O governador Celso Peçanha determinou providências imediatas. No Cemitério do Maruí foram abertas às pressas, covas para os sepultamentos. O Papa rezou por mortos e feridos e diversos países, bem como a Cruz Vermelha, enviaram medicamentos e donativos. Decorridos tantos anos, ainda não se chegou ao número exato dos que perderam as suas vidas. Dizem que "na maior tragédia em circuito fechado" o número estimado de mortos oscila entre 350 e 400, dos quais 70% eram crianças.
Os culpados foram descobertos: Adilson Marcelino Alves, o Dequinha - condenado a 16 anos e mais seis em manicômio judiciário, que terminou assassinado mais tarde quando fugiu da cadeia em 1973 - o mentor do crime, porque havia sido despedido do circo; José dos Santos, o Pardal -16 anos e mais um ano em colônia agrícola - e Walter Rosa dos Santos, o Bigode -14 anos e mais um ano em colônia agrícola -. Bigode comprou a gasolina e a jogou sob a lona e Dequinha ateou fogo.
Em São Gonçalo, o então prefeito Geremias de Mattos Fontes desapropriou parte das terras de propriedade da Indústria Metal Forty, no bairro Estrela do Norte - segundo informação que me foi prestada pelo então secretário da Prefeitura de São Gonçalo, Osmar Leitão Rosa, que mais tarde seria prefeito da cidade e deputado federal por diversas legislaturas - e mandou construir o Cemitério de São Miguel, onde foram sepultadas vitimas do incêndio. Uma tragédia que nunca será esquecida!
Durante muitos anos o trauma impediu que crianças e adultos assistissem qualquer espetáculo circense em Niterói e São Gonçalo. Decorridos 50 anos, minha memória ainda está bem nítida em relação à tragédia. Ainda recordo dos caminhões que recolhiam e transportavam os mortos e do corpo de uma criancinha, de aproximadamente, dois ou três anos de idade, estendida para reconhecimento no chão frio de mármore do IML, que morreu pisoteada por um elefante.

GENTILEZA
Foi no Incêndio do Circo que surgiu a figura do poeta Gentileza, nascido em Cafelândia, interior de São Paulo, no dia 11 de abril de 1917, que se tornou lendária. No local da tragédia, plantou mudas de plantas e começou a ser chamado de Profeta Gentileza. Embora tivesse sido divulgado que ele perdera familiares no incêndio, ele mesmo disse que não era verdade.
A partir daí tornou-se andarilho, e por onde passava, entre o Rio, Niterói e São Gonçalo, em sua bata branca, repleta de desenhos coloridos, pintava suas frases de amor e de bondade, como "Gentileza Gera Gentileza", existentes até hoje nas 56 pilastras do Viaduto do Caju, Rodoviária Novo Rio.
Foi tema de livro (Brasil: Tempo de Gentileza, do professor da UFF, Leonardo Guelman), de samba-enredo da Escola de Samba Acadêmicos do Grande Rio, de músicas compostas pelo compositor Gonzaguinha e pela cantora Marisa Monte. Faleceu em 28 de maio de 1996, aos 79 anos e foi sepultado em Mirandópolis, interior de São Paulo.

Nota do Redator
Há dois anos, o Departamento de História da UERJ - Patronato - editou um documentário-vídeo sobre a tragédia e fui um dos entrevistados (por indicação do jornalista-pesquisador Jorge Nunes -, bem como os médicos Ivo Pitangui, Carlos Caldas, e, os jornalistas Carlos Ruas e Mário Dias. No lançamento, encontrei-me com o Dr. Ivo Pitangui e recebemos vídeos do bem elaborado trabalho.
Falou-se muito, há dois anos, na construção de um monumento em homenagem às vitimas, mas até agora, nada.
COMPLEMENTANDO
Amanhã, domingo, dia 4 de dezembro de 2011, sou o PERSONAGEM de duas matérias nas edições do Globo Niterói e no Jornal O SÃO GONÇALO, sobre o Incêndio do Circo. Na última sexta-feira, visitei Regina, uma sobrevivente da tragédia, que mora no bairro Porto da Pedra, em São Gonçalo, e que tinha na época, 9 anos de idade.
Seu depoimento ao jornalista Cláudio (OSG) é muito triste. Principalmente no que se refere à discriminação. Até hoje, submete-se de vez em quando a operações plásticas feitas pelo Dr. Ivo Pitangui, - a primeira vez nas mãos, braços e peito, na Santa Casa de Misericórdia - que nunca abandonou os seus pacientes. 


Foto: Departamento de Imagem Oral da Universidade Federal Fluminense

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